sexta-feira, 15 de junho de 2018

Arronches – Exposição Comemorativa do espólio de brinquedos de Delmira Maçãs no Museu (A) Brincar


O Museu (A) Brincar de Arronches, vai acolher uma exposição comemorativa da sua abertura ao publico, com uma mostra do espólio de brinquedos antigos que pertenceram à ilustre alentejana Dr.ª  Delmira Maçãs, e cedidos ao museu Arronches, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML).

A exposição vai ser inaugurada no dia 24 de junho, pelas 17h30, numa das salas do museu, localizado no edifício da Fortaleza.
A mostra é integrada nas festas de São João 2018, e tem organização é do Município de Arronches.

De vida solitária e estudiosa, Delmira Maçãs, falecida em 2007, dedicou a vida ao estudo académico. Nunca casou nem teve filhos. As suas especialidades sempre foram a Filologia e a Genealogia, áreas onde tem algumas obras publicadas. Viveu sozinha os últimos anos num palacete na Praça da República, em Portalegre.

Deixou em testamento a sua fortuna à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML)

A sua fortuna era constituída por 71 prédios - 40 rústicos e 31 urbanos - nos concelhos de Portalegre, Castelo de Vide, Crato, Monforte e Portalegre, avaliada em mais de 25 milhões de euros, além de objectos de valor incalculável, como, por exemplo, talvez a maior colecção conhecida de sinetes (anéis) romanos, guardados no cofre de um banco, ou uma grande colecção de vidros romanos, em parte proveniente das ruínas da cidade Romana de Ammaia, também de extraordinário valor, e uma valiosíssima colecção numismática "com as moedas desde D. Afonso Henriques, mas de que vendeu uma parte".

Só sobreiros a dar cortiça serão cerca de um milhão, a que se junta dinheiro (que se estima que possa ser mais de 2,5 milhões de euros), fundamentalmente em contas na CGD e no Santander Totta, e variadíssimos bens móveis, onde avultam muitas e raras peças de loiça de grande valor, uma importante biblioteca e todo o recheio das 55 divisões do palacete da Praça da República, em Portalegre, construído parte sobre a sacristia do beatério de S. Brás e outra parte sobre a casa que foi de D. Iria Gonçalves, mãe de D. Nuno Álvares Pereira.

Em memória dessa grande senhora e alentejana que foi a Dra. Delmira Maçãs, venho hoje partilhar uma das últimas fotos que lhe efetuei, junto ao seu palacete da Praça da República em Portalegre, e um pequeno texto da sua autoria.
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Portalegre – O Corro visto pela Dr.ª Delmira Maçãs
…. Como a nossa casa tinha frente para o Corro, quartas-feiras e sábados era uma festa. Logo de manhãzinha, começavam a chegar os vendedores. Os de mais longe vinham das herdades em carros de bois ou carroças, os das hortas circundantes nos burros. No Inverno, os homens vestiam safões e pelicos, as mulheres usavam chaile e lenço e saias rodadas. Na véspera à tarde, já tinham sido colocados os estrados onde os produtos seriam expostos…

O Joaquim do Peixe vendia o pescado muito fresco, acabado de chegar num camião de Sesimbra. As hortaliças e a fruta, os cestos com ovos e queijos, as galinhas vivas e os coelhos davam o colorido que harmonizava com a algazarra das vozes e dos zurros. No Corro de Cima, estendia-se a loiça do Redondo, alguidares, panelas e tachos de barro, pratos com flores e bichos pintados. Apareciam também bufarinheiros, certo dia um vendia lenços de assoar, que apregoava: “Um ranhoso a dez tostões!”

Vinham senhoras finas com as criadas de avental branco e as menos ricas com criaditas de avental de riscado e descalças.
Nesse tempo a variedade e qualidade das frutas produzidas na região era uma orgia, conforme as estações, pêras dona Joaquina, pérola, francesa, e da rata, abrunhos de França e gostos da vida, maçãs giralda, de espelho, reineta, cerejas, ginjas, maracotões e carecas… tudo fresco, acabadinho de colher. Ainda não se usavam os pesticidas, podiam comer-se com casca, sem perigo de envenenamento. Então as batatas, cozidas com a pele e só depois peladas desfaziam-se na boca, uma delícia, ali mesmo, numa das casas subterrâneas, a Adelina vendia o leite acabado de mugir.

As tabernas do Corro, nesses dias, não tinham mãos a medir. O Cara d’ Anjo era afamado pelas iscas, que a mulher preparava. A tia Maria, assava sardinhas no fogareiro da sua pequena tasca, o vizinho Joaquim vendia pirolitos muito frescos, porque tinha poço, que fazia as vezes de frigorífico, objecto ainda então desconhecido. O Trindade fornecia o melhor vinho, embora bocas aventassem que ele fazia vinho de carne, não introduzindo no pote o cabrito, mas gatos.

A certa altura começaram a desaparecer os felinos da cidade. Foi apanhada a Joaquina Maluca, que os vendia por coelhos.”…

Delmira Maçãs
(in Pela Europa de Celtas e Romanos 1993)

Fotos/ Emílio Moitas / Global News 

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