Em Arronches como em todo o
Alentejo interior os cemitérios também morrem sozinhos… “abandonados”, perdidos em lugares esvaziados
de humanos, permanecem como memórias de um passado hoje em ruínas e em
parte traslado a outros sítios.
Na curta vida terrena dos humanos
não existe nada que “estorve” mais do que um morto. Até o refraneiro popular
ibérico o refere: “El muerto al hoyo y el
vivo al bollo”.
Os cemitérios das antigas
freguesias de S. Bartolomeu e Nossa Senhora do Rosário, ambas hoje extintas,
são disso exemplo, com os “aciprestes” a sobressaírem no montado de azinho
querendo perpetuar a memória dos outrora chamados de “Campos Santos”, ultima morada
dos filhos destas freguesias ou gentes que por aqui “mourejavam” nos campos
para ganhar o pão, como nos dizia um vaqueiro que numa tarde de verão
acompanhava o gado pelas chapadas de S. Bartolomeu, - “Sabe antes andava muita
gente das Beiras por aqui a trabalhar nas ceifas e outros trabalhos agrícolas,
e se algum tinha o azar de cair doente e morrer no monte era aqui sepultado,
não havia dinheiro para os levar para as suas terras, era gente pobre”.
Com a extinção destas freguesias
e os seus territórios integrados na freguesia de Assunção, e ainda com a
mecanização da agricultura, foram com o tempo estes lugares perdidos na charneca,
esvaziando-se de gente, viva e morta, com os chamados Campos Santos e igrejas a
serem abandonados, com os restos mortais de alguns defuntos a serem trasladados
tempos depois para o cemitério de Arronches, e as imagens e demais alfaias de
culto das igrejas a serem repartidas pela paróquia de Arronches ou importantes
casas agrícolas onde se situavam estes locais de culto.
O cemitério e igreja de S.
Bartolomeu, dista 10 quilómetros de Arronches na direcção de Campo Maior,
situado entre montados de azinho no alto de uma ligeira ondulação com vistas
exuberantes sobre a Serra de S. Mamede, encostado a um pequeno templo
construído possivelmente nos fins do século XIV, hoje em ruínas da sua traça
primitiva e de carater muito arcaico, conserva apenas o portal, de granito com
arco de volta perfeita assente sobre duas colunas com capitéis largos.
No cemitério hoje abandonado e
vandalizado, ainda é possível ver trabalhos em ferro forjado, possivelmente
obras saídas da Serralharia Morais e Irmãos em Arronches, assim como diversas lápides
em mármore, todas partidas e com inscrições como esta: Em Memória do Lavrador
- Francisco …. …. - Falecido em 24 de
Junho de 1932 – Eterna Saudade de seu filho”, e dispersas por um espaço onde se
misturam lápides partidas, bosta de vaca, ervas daninhas, dentes e restos ossos
humanos.
Neste local fantasmagórico das
ruínas de S. Bartolomeu serviu de cenário a diversas cenas da série de ficção
da RTP “A Raia dos Medos”, que pretendeu retratar a Guerra Civil de Espanha,
ocorrida entre 1936 e 1939, mas vivida do lado português e vista pelos olhos
dos portugueses raianos.
Um pouco mais perto da sede do
concelho, apenas a 5 quilómetros, e na direcção de Monforte, junto à linha
férrea, situa-se o antigo cemitério de Nossa Senhora do Rosário, hoje espoliado
de vestígios fúnebres era utilizado até há poucos anos como curral de ovelhas.
Fica também situado nas proximidades do pequeno templo típico da igreja rural
do século XVII, dedicado à Virgem do Rosário. No corpo da igreja existe ainda
uma lápide sepulcral que tem a seguinte inscrição:
Sª de Gaspar|Fernandes | de
Amedoeira | e de seus filhos | e herdeiros |fal 9 de junho | 1623 anos.
Uma prática corrente Europa, os
sepultamentos dentro das igrejas eram até o momento da peste negra (peste
bubónica) a última morada dos falecidos, mas quando as igrejas já não
comportavam tantos corpos, agravando risco de contaminação, nestes locais de
culto, foi necessário alterar hábitos e procurar novos espaços de enterramento.
O costume de enterrar os cristãos
mortos nas igrejas ou nas suas imediações começou durante a Idade Média. Essa
prática significou uma aproximação entre os cadáveres, muitos vitimados por
doenças contagiosas, e os vivos, o que aumentou significativamente a
disseminação dos agentes patogénicos em epidemias como as de tifo, peste
bubónica e outras.
Embora algumas civilizações, como
a romana, já determinassem que os mortos deviam ser enterrado fora dos limite
da cidade, foi a partir do século XVIII que a palavra cemitério começou a ter o
sentido atual quando por razões de saúde pública foi proibido o sepultamento
nos locais habituais (em terras da família ou em igrejas.
Em França, já em 1737 uma
comissão de médicos, organizada pelo Parlamento de Paris, recomendou mais
cuidado nas sepulturas e decência na manutenção dos locais onde os mortos eram
enterrados. Na mesma época, em 1743, o abade francês Charles-Gabriel Porée
publicou um texto condenando os enterros em igrejas e propondo a criação e
cemitérios fora das cidades.
O que acabaria por acontecer em
diversos países que passaram a proibir e sepultamentos nas igrejas a promover a
instalação de cemitérios, para que os enterros ocorressem ao ar livre e longe
do perímetro urbano, assistindo-se ao encerramento de um ciclo que chegou até o
início do século XIX.
Os sepultamentos no passado foram
uma importante fonte de recursos para as igrejas, e Arronches não foi excepção
com diversas famílias ricas a serem sepultadas nas igrejas e a deixarem em
testamento parte ou a totalidade do património à igreja e convento de Nossa
senhora da Luz.
Uma prática que em Portugal
terminou em, em 1801, o príncipe regente D. João VI proibiu os sepultamentos em
igrejas.
Fotos: E. Moitas
Um tema que irá deixar muitos de nós a pensar nos que já partiram, os quais, em certos momentos da nossa vida também ficaram esquecidos.
ResponderEliminarMuita bom. É mesmo ir ao fundo da questão. Da alma alentejana.
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