terça-feira, 28 de abril de 2015

Arronches - Os cemitérios também morrem


Em Arronches como em todo o Alentejo interior os cemitérios também morrem sozinhos  “abandonados”, perdidos em lugares esvaziados de humanos, permanecem como memórias de um passado hoje em ruínas e em parte  traslado a outros sítios.

Na curta vida terrena dos humanos não existe nada que “estorve” mais do que um morto. Até o refraneiro popular ibérico o refere: “El muerto al hoyo y el vivo al bollo”.

Os cemitérios das antigas freguesias de S. Bartolomeu e Nossa Senhora do Rosário, ambas hoje extintas, são disso exemplo, com os “aciprestes” a sobressaírem no montado de azinho querendo perpetuar a memória dos outrora chamados de “Campos Santos”, ultima morada dos filhos destas freguesias ou gentes que por aqui “mourejavam” nos campos para ganhar o pão, como nos dizia um vaqueiro que numa tarde de verão acompanhava o gado pelas chapadas de S. Bartolomeu, - “Sabe antes andava muita gente das Beiras por aqui a trabalhar nas ceifas e outros trabalhos agrícolas, e se algum tinha o azar de cair doente e morrer no monte era aqui sepultado, não havia dinheiro para os levar para as suas terras, era gente pobre”.

Com a extinção destas freguesias e os seus territórios integrados na freguesia de Assunção, e ainda com a mecanização da agricultura, foram com o tempo estes lugares perdidos na charneca, esvaziando-se de gente, viva e morta, com os chamados Campos Santos e igrejas a serem abandonados, com os restos mortais de alguns defuntos a serem trasladados tempos depois para o cemitério de Arronches, e as imagens e demais alfaias de culto das igrejas a serem repartidas pela paróquia de Arronches ou importantes casas agrícolas onde se situavam estes locais de culto.  

O cemitério e igreja de S. Bartolomeu, dista 10 quilómetros de Arronches na direcção de Campo Maior, situado entre montados de azinho no alto de uma ligeira ondulação com vistas exuberantes sobre a Serra de S. Mamede, encostado a um pequeno templo construído possivelmente nos fins do século XIV, hoje em ruínas da sua traça primitiva e de carater muito arcaico, conserva apenas o portal, de granito com arco de volta perfeita assente sobre duas colunas com capitéis largos.

No cemitério hoje abandonado e vandalizado, ainda é possível ver trabalhos em ferro forjado, possivelmente obras saídas da Serralharia Morais e Irmãos em Arronches, assim como diversas lápides em mármore, todas partidas e com inscrições como esta: Em Memória do Lavrador -  Francisco …. …. - Falecido em 24 de Junho de 1932 – Eterna Saudade de seu filho”, e dispersas por um espaço onde se misturam lápides partidas, bosta de vaca, ervas daninhas, dentes e restos ossos humanos.

Neste local fantasmagórico das ruínas de S. Bartolomeu serviu de cenário a diversas cenas da série de ficção da RTP “A Raia dos Medos”, que pretendeu retratar a Guerra Civil de Espanha, ocorrida entre 1936 e 1939, mas vivida do lado português e vista pelos olhos dos portugueses raianos.

Um pouco mais perto da sede do concelho, apenas a 5 quilómetros, e na direcção de Monforte, junto à linha férrea, situa-se o antigo cemitério de Nossa Senhora do Rosário, hoje espoliado de vestígios fúnebres era utilizado até há poucos anos como curral de ovelhas. Fica também situado nas proximidades do pequeno templo típico da igreja rural do século XVII, dedicado à Virgem do Rosário. No corpo da igreja existe ainda uma lápide sepulcral que tem a seguinte inscrição:
Sª de Gaspar|Fernandes | de Amedoeira | e de seus filhos | e herdeiros |fal 9 de junho | 1623 anos.

Uma prática corrente Europa, os sepultamentos dentro das igrejas eram até o momento da peste negra (peste bubónica) a última morada dos falecidos, mas quando as igrejas já não comportavam tantos corpos, agravando risco de contaminação, nestes locais de culto, foi necessário alterar hábitos e procurar novos espaços de enterramento.

O costume de enterrar os cristãos mortos nas igrejas ou nas suas imediações começou durante a Idade Média. Essa prática significou uma aproximação entre os cadáveres, muitos vitimados por doenças contagiosas, e os vivos, o que aumentou significativamente a disseminação dos agentes patogénicos em epidemias como as de tifo, peste bubónica e outras.

Embora algumas civilizações, como a romana, já determinassem que os mortos deviam ser enterrado fora dos limite da cidade, foi a partir do século XVIII que a palavra cemitério começou a ter o sentido atual quando por razões de saúde pública foi proibido o sepultamento nos locais habituais (em terras da família ou em igrejas.

Em França, já em 1737 uma comissão de médicos, organizada pelo Parlamento de Paris, recomendou mais cuidado nas sepulturas e decência na manutenção dos locais onde os mortos eram enterrados. Na mesma época, em 1743, o abade francês Charles-Gabriel Porée publicou um texto condenando os enterros em igrejas e propondo a criação e cemitérios fora das cidades.

O que acabaria por acontecer em diversos países que passaram a proibir e sepultamentos nas igrejas a promover a instalação de cemitérios, para que os enterros ocorressem ao ar livre e longe do perímetro urbano, assistindo-se ao encerramento de um ciclo que chegou até o início do século XIX.

Os sepultamentos no passado foram uma importante fonte de recursos para as igrejas, e Arronches não foi excepção com diversas famílias ricas a serem sepultadas nas igrejas e a deixarem em testamento parte ou a totalidade do património à igreja e convento de Nossa senhora da Luz.

Uma prática que em Portugal terminou em, em 1801, o príncipe regente D. João VI proibiu os sepultamentos em igrejas.
Fotos: E. Moitas 





2 comentários:

  1. Um tema que irá deixar muitos de nós a pensar nos que já partiram, os quais, em certos momentos da nossa vida também ficaram esquecidos.

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  2. Muita bom. É mesmo ir ao fundo da questão. Da alma alentejana.

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