Antigamente no Alentejo, a profissão de ganadeiro (maioral), era reservada a homens robustos que conseguissem resistir à solidão da charneca ou ás noites de Inverno passadas ao relento e ao terrível sol dos meses de verão, que queima como fogo e que por vezes há que aguentar sem uma única sombra a servir de abrigo.
Em geral, a profissão de pastor / maioral era como que hereditária,
transitando de pais para filhos. Era profissão para toda a vida, como que uma
sina que, por vezes, os azares da vida ou o amor de uma mulher conseguiam
interromper.
A pastorícia foi atividade tradicional com peso na economia
do concelho de Arronches d’outrora, com destaque para gado suíno, ovino, bovino
ou caprino.
Em Arronches os ganadeiros
ou maiorais recebiam diferentes designações, tais como Porqueiro, Vaqueiro,
Cabreiro ou Pastor, acompanhados pela ajuda, geralmente um rapaz ainda jovem e
alguns rafeiros alentejanos eram responsáveis por rebanhos por vezes
constituídos por largas centenas de cabeças de gado.
No Código de Posturas da Comissão Administrativa da Câmara
Municipal, datado de 14 de outubro de
“Puseram por postura que todo o ganadeiro que for achado nesta vila
depois de sol-posto terá de coima quatrocentos e oitenta reis e dez dias de
cadeia, isto se entenderá se vier sem licença de seu amo”.
Como se pode observar por este antigo Código de Posturas,
era sobre as classes mais pobres que pesava o trabalho mais duro e mais mal
pago (trabalhadores rurais, pastores e tratadores de gado) não tinham qualquer
direito. Trabalhavam de sol a sol em condições duríssimas, no caso dos
ganadeiros nem depois do sol-posto podiam abandonar o rebanho sem autorização
do patrão.
Esta situação arrastou-se durante séculos e nem os governos
republicanos como os da Ditadura saída do 28 de maio de 1926, lhes garantiam o
mínimo direito a um dia de descanso semanal.
A jornada de 8 horas de trabalho nos campos só foi
conquistada em 1962, após uma luta determinada, levada a cabo nos campos do
Alentejo.
Atualmente a profissão de ganadeiro (maioral) que
diariamente acompanhava o rebanho e evitava que os mesmos invadissem searas ou
propriedades alheias, está quase extinta no Alentejo, cercas de arame farpado
ou elétricas, assim como veículos todo o terreno, substituíram os pastores.
Abandonados à sua sorte privados do saber e dedicação do
ganadeiro, os animais são vítimas de inúmeros acidentes que na maioria dos casos
lhe provocam a morte por falta de assistência.
Figura incontornável dos campos alentejanos de outrora os
ganadeiros são ainda referência na literatura oral, a começar pelo adagiário e cancioneiro
popular refere que:
“Fui fazer uma viagem,
De Vendas Novas aos Pegões,
Para comprar umas peles,
Para fazer uns ceifões.”
Ou ainda:
Tod’a vida gardê gado,
E sempre fui ganadêro,
Uso cêfoes e cajado,
E pelico e caldêra.”
A dificuldade do ganadeiro em encontrar esposa com quem partilhar uma profissão dedicada exclusivamente ao rebanho pode ser constatada nestas simples quadras:
“Já não há quem queira dar
Uma filha a um pastor.
É que casar, hoje em dia,
É só bom p’ró lavrador.”
“Toda a vida guardei gado,
Toda a vida fui pastor,
Deixei botins e cajado
Por via do meu amor.”
Já se está o sol a "pôri"
Para trás do cabecinho
Bem quisera o nosso amo
Prendê-lo com um baracinho.
Picão, José da
Silva. Através dos Campos (2ªed.). Neogravura, Limitada. Lisboa, 1941
Conde, de Ficalho.
O elemento árabe na linguagem dos pastores alentejanos. Revista “A Tradição”.
Serpa. Série I - Ano I (1899)
Capela, e Silva,
J. A. A linguagem rústica no concelho de Elvas. Revista de Portugal. Lisboa,
1947.
Nisa, Câmara municipal. O descanso semanal no concelho de
Nisa será nos termos do Dec.de 8 de março de 1911, nº 5516 de 4 de março de
1919, 10782 de 20 de maio de 1925, 13788 de 9 de junho de 1927.
Pires, A. Tomaz.
Cantos Populares Portuguezes. Vol. IV. Typographia e Stereotipía Progresso.
Elvas, 1912.
Arronches, Câmara
Municipal, Código de Posturas – 14 outubro 1752.
Fortios, Rancho Folclórico,
Recolhas de tradições, usos e costumes de outrora.
Texto/fotos / Emílio Moitas
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