domingo, 15 de maio de 2022

Arronches – Memórias da antiga Romaria de Santo Isidro

 “Entre o passado e o presente Arronches está a perder a memória”

 

É sabido que o Património Histórico faz parte da identidade local de uma sociedade, nas suas diferentes características, costumes, ou comportamento, além de ser um registro fundamental para as gerações vindoiras.


À primeira vista, a memória parece uma coisa inerte, presa ao passado — A lembrança de algo que aconteceu e ficou parado no tempo.


 Mas um olhar mais cuidadoso revela que a memória é dinâmica e conecta as três dimensões temporais: ao ser evocada no presente, remete ao passado, mas sempre tendo em vista o futuro.


A memória cultural é constituída, assim, por heranças simbólicas materializadas em textos, ritos, monumentos, celebrações, objetos, escrituras sagradas e outros suportes mecânicos que funcionam como gatilhos para acionar significados associados ao que passou. Além disso, remonta ao tempo mítico das origens, cristaliza experiências coletivas do passado e pode perdurar por milénios.


Tomemos como exemplo a extinta romaria em de Santo Isidro celebrada até ao início do século passado em Arronches, à semelhança de outras localidades alentejanas e extremeñas na zona raiana onde ainda perduram, onde Santo Isidro padroeiro dos campos protetor dos lavradores, foi ou ainda é comemorado a 15 de maio.


Em Arronches consistia numa romaria popular anual que ali juntava lavradores e povo, junto á sua igreja, localizada a escassos 3 ou 4 kms do centro urbano da vila, na herdade das Carninhas, junto á margem do rio Caia e da qual ainda restam visíveis e imponentes ruínas na zona do Pisão.


Nesse dia e segundo os testemunhos recolhidos junto de idosos residentes no concelho de Arronches, como os Srs. Semedo, Pombo ou a D. Jacinta, os lavradores e povo convergiam nesse dia logo pela manhã para a igreja de Santo Isidro, a pé ou em carroças enfeitadas com canas, rosmaninho ou giestas.


Devotos do Santo, afirmaram ser uma bonita imagem madeira que estava no altar principal com o seu arado e a junta de bois, ali assistiam ás cerimónias religiosas, que consistiam em missa procissão em redor da igreja, convivendo e agradecendo a proteção do Santo, com preces e oferendas feitas pelos lavradores, na esperança de boas searas e gados livres de doenças e pestes, na perspetiva de um ano de celeiro cheio ou rebanhos aumentados sem prejuízos.


Com o passar do tempo e implantação da República em 1910, e o anticlericalismo que se seguiu com a Lei de Separação do Estado e da Igreja, de 1911, com um dos grupos de republicanos mais ativos da região,  levou a extinção da romaria com o consequente abandono da igreja, que já se encontrava isolada com a alteração do traçado da antiga estrada de Elvas,  que mais tarde voltou a sofrer um insensato golpe a seguir à guerra civil espanhola (1936) com a destruição provocada na abobada da igreja, de forma a não servir de abrigo a mulheres espanholas fugidas da guerra que percorriam a zona á procura de comida e ali se acolhiam nos meses de inverno, assim como alguns malteses e mendigos e outros desvalidos que deambulavam pelas herdades do termo de Arronches.  


Os denominados “malteses” eram pobres trabalhadores rurais durante as ceifas e vagabundos por necessidade de trabalho o resto do ano, segundo a moral e retórica da época eram responsáveis por numerosos roubos, atentados pessoais, incêndios de searas, rixas, extorsões de comida e outros crimes, cuja fronteira entre criminalidade individual e social, era difícil de traçar para cada caso concreto, sendo nitidamente de carater social se a analisarmos no seu conjunto.   


Hoje, maio de 2022 a tradição de festejar o Santo Isidro morreu em Arronches, a memória das monumentais ruínas da igreja para lá caminham também em parte por inércia e desinteresse das chamadas forças vivas e académicos arronchenses, resta o testemunho memória dos mais idosos e as ruínas abandonadas e ignoradas por quase todos, até que a ação do tempo não as apague para sempre.


I

É dia de procissão,

Santo Isidro o protector.

É dia de grande festa,

A festa do Lavrador.

 

II

É terra de lavradores,

Criada por D. Dinis.

É decerto a mais fecunda

Porque Deus assim o quis.

 

III

Santo Isidro meu protetor,

Meu santinho padroeiro.

Ajuda a minha seara,

De que sou o seu obreiro.

 (Autor Ilídio N. Leitão)


De referir que Santo Isidro é o padroeiro de Madrid, e 43 anos depois de sua morte em 1130, depois de exumado e seu corpo permanecia incorrupto.


Posteriormente, nasceu sua devoção e ainda hoje é uma das tradições católicas mais enraizadas no mundo hispânico e zonas raianas portuguesas.


Foi canonizado a 12 de março de 1622.  A sua festividade é celebrada a 15 de maio.


Fotos/ Emílio Moitas / Bibliografia: Através dos Campos / José da Silva Picão/ Lisboa: Neogravura, 1947.  





 

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