“Entre o passado e o presente Arronches está a perder a memória”
É sabido que o Património
Histórico faz parte da identidade local de uma sociedade, nas suas diferentes características,
costumes, ou comportamento, além de ser um registro fundamental para as
gerações vindoiras.
À primeira vista, a memória
parece uma coisa inerte, presa ao passado — A lembrança de algo que aconteceu e
ficou parado no tempo.
Mas um olhar mais cuidadoso revela que a
memória é dinâmica e conecta as três dimensões temporais: ao ser evocada no
presente, remete ao passado, mas sempre tendo em vista o futuro.
A memória cultural é
constituída, assim, por heranças simbólicas materializadas em textos, ritos,
monumentos, celebrações, objetos, escrituras sagradas e outros suportes mecânicos
que funcionam como gatilhos para acionar significados associados ao que passou.
Além disso, remonta ao tempo mítico das origens, cristaliza experiências
coletivas do passado e pode perdurar por milénios.
Tomemos como exemplo a extinta
romaria em de Santo Isidro celebrada até ao início do século passado em
Arronches, à semelhança de outras localidades alentejanas e extremeñas na zona
raiana onde ainda perduram, onde Santo Isidro padroeiro dos campos protetor dos
lavradores, foi ou ainda é comemorado a 15 de maio.
Em Arronches consistia numa romaria
popular anual que ali juntava lavradores e povo, junto á sua igreja, localizada
a escassos 3 ou 4 kms do centro urbano da vila, na herdade das Carninhas, junto
á margem do rio Caia e da qual ainda restam visíveis e imponentes ruínas na
zona do Pisão.
Nesse dia e segundo os testemunhos recolhidos junto de idosos residentes no concelho de Arronches, como os Srs. Semedo, Pombo ou a D. Jacinta, os lavradores e povo convergiam nesse dia logo pela manhã para a igreja de Santo Isidro, a pé ou em carroças enfeitadas com canas, rosmaninho ou giestas.
Devotos
do Santo, afirmaram ser uma bonita imagem madeira que estava no altar
principal com o seu arado e a junta de bois, ali assistiam ás cerimónias religiosas,
que consistiam em missa procissão em redor da igreja, convivendo e agradecendo
a proteção do Santo, com preces e oferendas feitas pelos lavradores, na
esperança de boas searas e gados livres de doenças e pestes, na perspetiva de
um ano de celeiro cheio ou rebanhos aumentados sem prejuízos.
Com o passar do tempo e
implantação da República em 1910, e o anticlericalismo que se seguiu com a Lei
de Separação do Estado e da Igreja, de 1911, com um dos grupos de republicanos
mais ativos da região, levou a extinção
da romaria com o consequente abandono da igreja, que já se encontrava isolada
com a alteração do traçado da antiga estrada de Elvas, que mais tarde voltou a sofrer um insensato
golpe a seguir à guerra civil espanhola (1936) com a destruição provocada na
abobada da igreja, de forma a não servir de abrigo a mulheres espanholas
fugidas da guerra que percorriam a zona á procura de comida e ali se acolhiam
nos meses de inverno, assim como alguns malteses e mendigos e outros desvalidos
que deambulavam pelas herdades do termo de Arronches.
Os denominados “malteses” eram
pobres trabalhadores rurais durante as ceifas e vagabundos por necessidade de
trabalho o resto do ano, segundo a moral e retórica da época eram responsáveis
por numerosos roubos, atentados pessoais, incêndios de searas, rixas, extorsões
de comida e outros crimes, cuja fronteira entre criminalidade individual e
social, era difícil de traçar para cada caso concreto, sendo nitidamente de
carater social se a analisarmos no seu conjunto.
Hoje, maio de 2022 a tradição de
festejar o Santo Isidro morreu em Arronches, a memória das monumentais ruínas
da igreja para lá caminham também em parte por inércia e desinteresse das
chamadas forças vivas e académicos arronchenses, resta o testemunho memória dos
mais idosos e as ruínas abandonadas e ignoradas por quase todos, até que a ação
do tempo não as apague para sempre.
I
É dia de procissão,
Santo Isidro o protector.
É dia de grande festa,
A festa do Lavrador.
II
É terra de lavradores,
Criada por D. Dinis.
É decerto a mais fecunda
Porque Deus assim o quis.
III
Santo Isidro meu protetor,
Meu santinho padroeiro.
Ajuda a minha seara,
De que sou o seu obreiro.
De referir que Santo Isidro é o
padroeiro de Madrid, e 43 anos depois de sua morte em 1130, depois de exumado e
seu corpo permanecia incorrupto.
Posteriormente, nasceu sua
devoção e ainda hoje é uma das tradições católicas mais enraizadas no mundo
hispânico e zonas raianas portuguesas.
Foi canonizado a 12 de março de
1622. A sua festividade é celebrada a 15
de maio.
Fotos/ Emílio Moitas / Bibliografia:
Através dos Campos / José da Silva Picão/ Lisboa: Neogravura, 1947.
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