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sábado, 14 de fevereiro de 2009

Portalegre – O Corro visto pela Dr.ª Delmira Maçãs


Foi numa tarde de Verão que a pretexto do livro “A Senhora da Lapa”, conheci a Dra. Delmira, tinha procurado este livro por tudo o que era livrarias e bibliotecas da região mas sem sucesso.

Não desistindo de procurar esta publicação decidi ir bater à porta da autora da referida obra, a Dra. Delmira Maçãs, amigos e conhecidos tinham-me avisado que seria perda de tempo, a senhora não atendia ninguém e muito menos facultava a entrada estranhos no seu imenso palacete da Quina das Beatas.


Acabei por verificar que estavam errados, logo na minha primeira visita a casa da Dra. Delmira acabei por passar lá a tarde e voltar para Arronches como o famoso livro da “A Senhora da Lapa”, mas sem as compras que tinha pensado efectuar em Portalegre, visto as lojas já terem fechado.


Ficamos amigos no primeiro contacto, seguiram-se mais umas quantas visitas e troca de publicações. Pouco tempo antes da grave situação de saúde que afectou a senhora tínhamos começado a fotografar para ilustrar um seu trabalho a editar em 2006.

Embora já idosa tinha projectos para o futuro, mas que acabariam por ser interrompidos pela doença súbita que a atingiu aquando das suas férias na praia.

Pessoa muito culta e excelente comunicadora, sem vaidade a Dra. Delmira Maçãs era filha única, sem descendente directos e possuidora de uma imensa fortuna que herdou de seus pais, mas soube conservar até à sua morte em 14 de Outubro de 2007.

Dedicou a vida ao estudo académico, as suas especialidades sempre foram a Filologia e a Genealogia, áreas onde tem algumas obras publicadas.

Depois da sua morte que aconteceu num Lar da cidade de Tomar, fique surpreendido ao saber pela imprensa que a Santa casa da Misericórdia de Lisboa era a herdeira do seu vasto património, apenas com a obrigação de que lhe publicar a sua obra – uma série de estudos académicos sobre Genealogia. A minha surpresa reside no facto de me ter feito referencia, em mais de uma ocasião a uma fundação e um futuro espaço museológico na sua casa de Portalegre de forma a homenagear e perpetuar a memória dos seus falecidos pais que tanto gostavam daquela casa, situação essa que estava a ser tratada com a colaboração de um seu primo que residia na zona de Portalegre.

Pelo que julgo que a última vontade da Dra. Delmira Maçãs, embora nobre e digna de uma grande mulher, não seria apenas partilhar a totalidade da sua fortuna com os pobres, de certa forma representados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

A sua fortuna era constituída por 71 prédios - 40 rústicos e 31 urbanos - nos concelhos de Portalegre, Castelo de Vide, Crato, Monforte e Portalegre que valerão bem mais de 25 milhões de euros, além de objectos de valor incalculável, como, por exemplo, talvez a maior colecção conhecida de sinetes (anéis) romanos, guardados no cofre de um banco, ou uma grande colecção de vidros romanos, em parte proveniente das ruínas da cidade Romana de Ammaia, também de extraordinário valor, e uma valiosíssima colecção numismática "com as moedas desde D. Afonso Henriques, mas de que vendeu uma parte".

Só sobreiros a dar cortiça serão cerca de um milhão, a que se junta dinheiro (que se estima que possa ser mais de 2,5 milhões de euros), fundamentalmente em contas na CGD e no Santander Totta, e variadíssimos bens móveis, onde avultam muitas e raras peças de loiça de grande valor, uma importante biblioteca e todo o recheio das 55 divisões do palacete da Praça da República, em Portalegre, construído parte sobre a sacristia do beatério de S. Brás e outra parte sobre a casa que foi de D. Iria Gonçalves, mãe de D. Nuno Álvares Pereira.

************************************************************************************Em memória dessa grande senhora e alentejana que foi a Dra. Delmira Maçãs, venho hoje partilhar com todos vós uma das últimas fotos que lhe efectuei e um pequeno texto da sua autoria.
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Portalegre – O Corro visto pela Dr.ª Delmira Maçãs
… Como a nossa casa tinha frente para o Corro, quartas-feiras e sábados era uma festa. Logo de manhãzinha, começavam a chegar os vendedores. Os de mais longe vinham das herdades em carros de bois ou carroças, os das hortas circundantes nos burros. No Inverno, os homens vestiam safões e pelicos, as mulheres usavam chaile e lenço e saias rodadas. Na véspera à tarde, já tinham sido colocados os estrados onde os produtos seriam expostos…

O Joaquim do Peixe vendia o pescado muito fresco, acabado de chegar num camião de Sesimbra. As hortaliças e a fruta, os cestos com ovos e queijos, as galinhas vivas e os coelhos davam o colorido que harmonizava com a algazarra das vozes e dos zurros. No Corro de Cima, estendia-se a loiça do Redondo, alguidares, panelas e tachos de barro, pratos com flores e bichos pintados. Apareciam também bufarinheiros, certo dia um vendia lenços de assoar, que apregoava: “Um ranhoso a dez tostões!”

Vinham senhoras finas com as criadas de avental branco e as menos ricas com criaditas de avental de riscado e descalças.
Nesse tempo a variedade e qualidade das frutas produzidas na região era uma orgia, conforme as estações, pêras dona Joaquina, pérola, francesa, e da rata, abrunhos de França e gostos da vida, maçãs giralda, de espelho, reineta, cerejas, ginjas, maracotões e carecas… tudo fresco, acabadinho de colher. Ainda não se usavam os pesticidas, podiam comer-se com casca, sem perigo de envenenamento. Então as batatas, cozidas com a pele e só depois peladas desfaziam-se na boca, uma delícia, ali mesmo, numa das casas subterrâneas, a Adelina vendia o leite acabado de mugir.

As tabernas do Corro, nesses dias, não tinham mãos a medir. O Cara d’ Anjo era afamado pelas iscas, que a mulher preparava. A tia Maria, assava sardinhas no fogareiro da sua pequena tasca, o vizinho Joaquim vendia pirolitos muito frescos, porque tinha poço, que fazia as vezes de frigorífico, objecto ainda então desconhecido. O Trindade fornecia o melhor vinho, embora bocas aventassem que ele fazia vinho de carne, não introduzindo no pote o cabrito, mas gatos.

A certa altura começaram a desaparecer os felinos da cidade. Foi apanhada a Joaquina Maluca, que os vendia por coelhos.”…

Delmira Maçãs
(in Pela Europa de Celtas e Romanos 1993)